Qual é o mal?

Homeopatia: qual é o mal?
por Simon Singh

(adaptado de “Trick or Treatment? Alternative Medicine on Trial”, escrito por Simon Singh e Edzard Ernst)

Quando os críticos mostram aos políticos ou reguladores que a homeopatia não assenta em provas adequadas e que não passa de um placebo, uma das respostas que recebem é “Qual é o mal?”. Por outras palavras, se o efeito placebo é positivo e os efeitos secundários são zero, que mal tem deixar que as pessoas gastem um pouco de dinheiro em bolinhas de açúcar?
Mas será a homeopatia mesmo segura?

Infelizmente, a homeopatia pode ter efeitos secundários surpreendentes e perigosos. Não têm nada a ver com nenhum remédio homeopático em particular, mas são antes um resultado indireto do que acontece quando os homeopatas passam a ser a fonte de conselho médico, em vez dos médicos.

Por exemplo, muitos homeopatas têm uma atitude negativa relativamente à imunização, o que faz com que pais que entrem em contacto regular com um homeopata tenham menor tendência para imunizar os seus filhos. Para avaliar a extensão deste problema, Edzard  Ernst e Katja Schmidt, da Universidade de Exeter [Inglaterra], efectuaram um estudo entre homeopatas britânicos que mostrou ser muito revelador. Após terem obtido direções de correio a partir de listas online, os dois cientistas enviaram um e-mail a 168 homeopatas no qual fingiram que eram uma mãe à procura de conselhos relativamente à opção de vacionar ou não o seu filho de um ano de idade, contra o sarampo, a rubéola e a papeira. Isto aconteceu em 2002, quando a controvérsia [no Reino Unido] relativa à vacina Tríplice Viral [que protege o organismo das três doenças referidas] já estava em declínio, e as provas científicas estavam claramente a favor da vacinação. Dos 77 homeopatas que responderam, só dois aconselharam a mãe a imunizar, demonstrando assim que a esmagadora maioria dos homeopatas não encoraja a imunização.

Talvez o maior perigo ocorra quando a homeopatia substitui um tratamento convencional. Encontrei isto pela primeira vez em 2006, quando tentei descobrir o que é que os homeopata ofereceriam a uma jovem viajante que procurasse proteção contra a malária. Em conjunto com Alice Tuff e a organização caritativa Sense About Science, desenvolvemos uma história na qual Tuff iria fazer uma viagem de 10 semanas através da África Ocidental, zona onde existe uma alta prevalência de estirpe de malária mais perigosa, que pode resultar na morte em três dias. Tuff, uma recém-licenciada, explicaria aos homeopatas que tinha sofrido, anteriormente, efeitos secundários devido aos medicamentos convencionais de malária e perguntaria se existia uma alternativa homeopática.

No entanto, e antes de entrar em contacto com os homeopatas, Tuff visitou uma travel clinic [clínica especializada em ajudar viajantes a preparar-se para fazer as suas viagens em segurança] e contou-lhes esta mesma história, o que se transformou numa consulta demorada. O profissional de saúde explicou-lhe que os efeitos secundários não eram incomuns nas pastilhas para a malária, mas também que existiam várias opções, sendo que se calhar um outro tipo de pastilha fosse mais aconselhável. Além disto, o especialista também lhe fez perguntas detalhadas relativamente ao seu historial médico e ofereceu conselhos alargados, nomeadamente relativos ao modo de prevenir picadas de insectos.

A seguir, Tuff procurou uma série de homeopatas através da Internet, tal como qualquer estudante faria no seu lugar. Após a busca, visitou ou falou pelo telefone com dez homeopatas, tanto em Londres como nos arredores. Em cada um dos casos, Tuff gravou secretamente as conversas por forma a poder documentar a consulta. Os resultados foram assustadores. Sete dos de homeopata não perguntaram nada sobre o historial médico da paciente e também não deram nenhum conselho sobre a prevenção das picadas. Pior ainda, os dez (todos!) aconselharam proteção homeopática contra a malária em vez de tratamento convencional, o que colocaria a vida da nossa viajante fictícia em risco.

Os homeopatas usaram testemunhos para mostrar que a homeopatia é eficaz. Eis o que disse uma das praticantes: ‘Uma vez alguém me disse que foi para África trabalhar e que as pessoas que tomaram pastilhas contra a malária contraíram a doença, apesar de provavelmente ter sido um tipo diferente da malária mais perigosa, mas as pessoas que tomaram os remédios homeopáticos não. Não ficaram nada doentes.’ Esta homeopata também informou a nossa jovem que a homeopatia podia proteger contra a febre amarela, disenteria e febre tifóide. Outro homeopata tentou explicar o mecanismo por trás dos remédios homeopáticos: ‘Os remédios deverão reduzir a sua susceptibilidade, pois o que fazem é impedir que a tua energia – a tua energia vital – não tenha uma espécie de buraco em forma de málaria [sic]. Os mosquitos da malária não preencherão esse buraco. Os remédios tratam disso.’

A investigação teve lugar pouco antes das férias de verão, por forma a fazer parte de uma campanha para avisar os viajantes contra os perigos bem reais de confiar na homeopatia para se proteger de doenças tropicais. Um caso reportado no British Medical Journal descreve o facto de uma mulher ter usado homeopatia para uma viagem ao Togo, na África Ocidental, o que resultou num episódio muito grave de malária. Isto fez com que ela tivesse que suportar dois meses de cuidado intensivo devido ao falhanço de múltiplos órgãos no seu corpo. Neste caso, o efeito placebo não ofereceu ajuda nenhuma.

Este é o mal.

Simon Singh apoia a campanha 10:23. É autor de livros como ‘Fermat’s Last Theorem’ e apoia e campanha para a reforma das leis de difamação em Inglaterra (www.libelreform.org/sign).

[notas entre parêntesis rectos denotam contextualização para a versão em português]